‘Não, não Olhe’ (Nope) e a Sociedade do Espetáculo

Aquiles Marchel Argolo
2 min readSep 5, 2022

Novo filme de Jordan Peele traz menos comentários sociais, mas continua mantendo filmografia do diretor em alto nível

Quando Jordan Peele migrou da comédia para o terror em ‘Corra’, muita gente se surpreendeu com a capacidade do diretor em entrelaçar entretenimento com farta simbologia para endossar as diversas camadas de crítica social em seu filme. Seu segundo longa, ‘Nós’, foi outro sucesso e o trouxe de vez para a primeira prateleira dos diretores contemporâneos.

Em ‘Não, Não Olhe!’, Jordan Peele oferece mais entretenimento que em suas duas obras anteriores, mas não deixa de usar a própria narrativa para versar sobre o preço que se paga em busca de fazer parte da indústria do próprio entretenimento. O filme funciona como uma espécie de metalinguagem que mesmo quando descartada os símbolos, ainda serve um bom prato de diversão.

E lançarei sobre ti coisas abomináveis, e envergonhar-te-ei, e pôr-te-ei como espetáculo“ (Naum 3:6). Abrindo o filme com essa citação bíblica, Peele dá o norte ao espectador da ideia que vai guiar toda a projeção. A tragédia é usada como fonte de espetáculo, assim como narrado na Bíblia quando Deus castiga a cidade de Nínive. Aqui, o mal agouro vem em forma de uma suposta invasão alienígena.

Um rancho de criação de cavalos para produções de cinema e TV que passa por dificuldades financeiras é o cenário principal da trama. Uma aparição causa disruptura nos planos dos irmãos que herdaram o rancho, o introspectivo OJ (Daniel Kaluuya) e sua irmã Emerald (Keke Palmer). Como forma de salvar o negócio, OJ e Emerald tentam usar o objeto não identificado como uma forma de captar atenção e dinheiro, mas assim como o vizinho da propriedade, Jupe (Steve Yeun), a busca por lidar com algo que não se compreende gera confronto traumático para todos os envolvidos.

Apesar da competência de todos os atores em cena, o show mesmo pertence ao desenrolar dos acontecimentos que fazem do comentário crítico à indústria seu principal personagem, ainda que passe longe do horror social oferecido em ‘Nós’.

Não se sabe se o diretor leu o livro ‘A Sociedade do Espetáculo’, de Guy Debord, mas há paralelos entre o filme e o ensaio do filósofo. Os personagens do filme, assim como descrito na obra de Debord, entendem o poder da comunicação visual como forma de adquirir poder e status numa sociedade sedenta por consumir novas formas de entretenimento e essa sede dialoga diretamente com a miséria material de algumas classes (Debord era marxista).

‘Nope’ é o filme menos misterioso de Jordan Peele, mas não menos divertido. A solução de efeitos especiais para criatura é inusitada e simples. Se equilibrando perto da galhofa, o realizador consegue passar com louvor no flerte com a ficção científica.

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Aquiles Marchel Argolo

Jornalista, apaixonado por comunicação, cultura pop, música, quadrinho e literatura. Pseudocinéfilo, pseudocult. Contrariando as estatísticas.