Falta de acesso a diagnóstico de transtorno psicológico em jovens negros custa vidas

Aquiles Marchel Argolo
2 min readSep 11, 2022

Um relato pessoal

Imagem: Africanize

Sempre me senti estranho. Algo parecia fora do lugar. Desde cedo uma melancolia, acompanhada de medos inexplicáveis, pensamentos ruins.

Na adolescência, idas a hospitais se tornaram frequentes. Anemia, problemas de coração, preguiça, todas as possibilidades pareciam plausíveis aos médicos e conhecidos para explicar os episódios de apatia ou ansiedade exagerada.

Morar em quebrada, onde informação sobre a saúde mental inexiste e nossa força precisa ser provada, trabalhando doente, cansado, à beira de enlouquecer enquanto você sabe que algo está te corroendo por dentro. As condições sociais fazem você ter de escolher entre sobreviver ao trabalho exploratório e à perseguição da polícia ou cuidar da saúde.

Aos 26 anos, ao fim de uma tarde, senti um mal súbito, fraqueza e palpitação. Os braços adormeceram e ficaram rígidos, dor no peito, formigamentos, tontura, sensação ruim. Entrei de cadeira de rodas no hospital com a certeza de que estava infartando. O enfermeiro indiferente, o ar parecia faltar. Foi a primeira grande crise de pânico que tive, resultado de anos de falta de um diagnóstico.

Os meses seguintes foram de crises diárias, idas aos hospitais e exames que não apontavam nada físico, até que um médico explicou que eu poderia estar com algum Transtorno de psicológico.

Se eu, morador de periferia, tivesse tido o diagnóstico ainda na infância ou adolescência, teria evitado anos de sofrimento. Finalmente, após pesquisar e aceitar o diagnóstico de um psiquiatra, percebi que muitas coisas que passei eram resultados de eu ter agido em função da ansiedade generalizada e pânico.

As taxas de suicídio entre jovens pretos é até 45% maior do que entre brancos da mesma idade. Nós, pessoas pretas somos compelidos a sermos fortes, nos negam bem-estar em todas as idades.

Política de prevenção ao suicídio é manter políticas públicas de acesso á saúde psicológica nas quebradas. Precisamos cuidar das mães pretas, cuidar dos jovens pretos. Agora!

Repost do meu texto lá no @africanizeoficial

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Aquiles Marchel Argolo

Jornalista, apaixonado por comunicação, cultura pop, música, quadrinho e literatura. Pseudocinéfilo, pseudocult. Contrariando as estatísticas.