“Bob Marley: One Love” passa longe do que o músico merecia, mas não é um desastre completo.

Para quem curte água com açúcar e o básico funcional, vai agradar.

Aquiles Marchel Argolo
4 min readFeb 24, 2024

As cinebiografias têm sido um campo farto para investimento dos estúdios. O público fiel dos artistas retratados são quase garantia de retorno financeiro e é a chance de atores novatos receberem mais holofotes. No entanto, os resultados recentes dessas produções vem resvalando na mediocridade e na pouca inspiração dos realizadores. Para cada filme ótimo (‘Rocketman’), temos um punhado de lançamentos irregulares (‘I Wanna Dance with Somebody — A História de Whitney Houston’) ou muito ruins, como a famigerada e premiada cinebiografia do Queen, ‘Bohemian Rhapsody’.

“Bob Marley: One Love”, passa longe de ser um resultado desastroso, mas infelizmente mergulha na mediocridade e falta de ousadia da maioria dos filmes biográficos recentes. O rei do reggae, ícone pop da música, merecia um filme com mais brio.

O filme, dirigido por Reinaldo Marcus Green (“King Richard: Criando Campeãs”) e protagonizado por Kinglsey Ben-Adir (“Invasão Secreta” e “Uma Noite em Miami”), foca em um período específico da carreira de Marley, onde o músico já era consagrado na Jamaica em meio ao caos dos conflitos políticos e guerra civil no país. O cantor sofre um atentado enquanto planejava um concerto pela paz e se muda para Londres com sua esposa Rita (Lashana Lynch) e inicia a gravação do lendário álbum “Exodus”.

É comum que cinebiografias de grandes lendas da música prefiram focar em determinado período da carreira do artista a fim de garantir uma duração aceitável e explorar fatos pouco conhecidos do grande público, mas quando se pensa em figuras lendárias, há uma demanda por querer ver momentos emblemáticos, mesmo que já conhecidos, da carreira do personagem. “One Love”, desperdiça a chance de entender melhor a relação de Bob Marley com a religião Rastafari, ficando essa escanteada para algumas cenas de flashback e alguns diálogos mixurucas. Também foi uma opção da produção não contar como foram formados os The Wailers, grupo seminal para a consolidação da sonoridade reggae como conhecemos.

É um tanto decepcionante que o primeiro longa sobre o rei do reggae não explore os conflitos dele com outra figura lendária como Peter Tosh, por exemplo, e seja chapa branca o suficiente para não abordar as constantes traições de Bob à esposa e também a negligência com alguns dos filhos. Mas falando do que há no filme e não das faltas, a relação de Marley e Rita é o ponto alto e a única bem trabalhada no longa. Lashana Lynch está bem como sempre, demonstrando afeto e firmeza na medida certa, sendo o principal suporte do músico e seus conflitos internos sobre o nível de envolvimento que pretende ter com a situação política da Jamaica.

Kingsley Ben-Adir confere carisma à sua versão de Bob Marley, com sorriso cativante e emulando de forma convincente os trejeitos do músico jamaicano, sobretudo nas passagens magnéticas em que precisa estar em cima do palco liderando multidões. Nos momentos musicais, há uma mescla da voz do ator com a voz do cantor, mantendo a energia original e a conexão com as multidões que Bob Marley demonstrava no palco.

Morto precocemente aos 36 anos de idade por conta de um melanoma, Bob Marley foi vítima das crenças que abraçou com tanta paixão. Ele acreditou até o fim da vida que não precisava de tratamentos médicos tradicionais para se curar. Ao ignorar isso como todas as outras camadas da relação de Bob com o rastafarianismo, é como se o filme podasse parte do que fez de Bob Marley uma figura tão emblemática.

Felizmente, na parte musical, o filme acerta, recriando com boa montagem os momentos de inspiração de grandes hits e da criação do álbum “Exodus”, o que vai agradar quem assiste à cinebiografias de músicos para ver como nasceram os clássicos de seus artistas favoritos.

“Bob Marley: One Love” passa longe do que o músico merecia, mas não é um desastre completo. Para quem curte água com açúcar e o básico funcional, vai agradar.

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Aquiles Marchel Argolo

Jornalista, apaixonado por comunicação, cultura pop, música, quadrinho e literatura. Pseudocinéfilo, pseudocult. Contrariando as estatísticas.